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Por José Carlos Teixeira Giorgis,
advogado (OAB/RS nº 74.288)
A sexualidade desperta no primeiro fôlego humano e apenas cessa com o derradeiro suspiro, assim coadjuvante em todos os momentos. E com proeminência.
Os agrupamentos ancestrais revelam uma natural promiscuidade, as mulheres se acasalavam com todos os homens, sem distinção. A maternidade era reconhecida, como um dado biológico evidente; a paternidade, contudo, somente deu-se a conhecer com o abandono do nomadismo e o desenvolvimento das práticas agrícolas.
As relações livres são tão antigas como a convivência, e delas já tratavam os textos bíblicos e a pesquisa das sociedades recuadas; os babilônios entregavam suas mulheres aos hóspedes como regra de civilidade; ao salomônico monarca se permitia o usufruto de setecentas esposas e trezentas amantes, o que enlouquecia o calendário; entre os gregos, a vida sexual desregrada era estímulo ao espírito artístico e aumento dos exércitos.
A presença do concubinato coexiste com a evolução da sociedade.
Quase sempre considerado preconceituoso por ofensa aos padrões canônicos vigentes, a renitência histórica do instituto obrigou a edição de regras ou decisões capazes de isolá-lo ou até mitigar seus efeitos. Aqui não foi diferente.
Antes que o constituinte imaginasse o convívio de entidades familiares típicas ou inominadas, os tribunais cuidaram de proteger as mulheres que se envolviam com pessoas impedidas, para não deixá-las ao abandono.
Surge a partilha do patrimônio comprado durante a união lateral, medida pelo esforço concreto da parceira na aquisição do bem; mais tarde apenas se avaliou a contribuição indireta, geratriz de conforto ao concubino para exercer seu trabalho externo.
Desde muito ainda se admitia um pagamento para compensar o trato concubinário, representado pela entrega de um salário mínimo por ano de relacionamento: esse ressarcimento aviltante e marginal era chamado de indenização por serviços domésticos.
A promulgação do estatuto de garantias que erigiu a união estável como instituição familiar respeitável e leis regulamentadoras do dispositivo magno consolidaram os direitos dos companheiros, depois inseridos no código, deixando no ostracismo os repertórios do passado.
Mas a doutrina jamais se aquietou em apontar determinadas situações em que a ruptura do concubinato conduzia ao desamparo absoluto da convivente e ao locupletamento indevido de seu amante, injustiça que feria de morte o princípio da dignidade da pessoa humana.
Embora alguns julgados posteriores conferissem perplexidades, eis que atinados com casos anteriores às normas constitucionais protetivas, estouram decisões recentes que abrangem episódios de concubinato a que se endereçaram efeitos concretos, iluminando preceito civil tido como inócua referência à sociedade de fato (CC artigo 1.727).
É verdade que o entendimento se ajustava à união estável, quando não houvesse patrimônio comum a partilhar, ocasião em que o companheiro fazia jus a uma indenização pelos serviços prestados pelo período da vida em comum (STJ, Resp. 331.511/SE; no mesmo sentido, Resp. 274.263/RJ); e arestos da fase pós-constitucional pré-codificada sobre concubinato comungavam do mesmo cálice (STJ, Resp. 129.329/RJ; e Resp, 125.401/RJ).
Sucede que operando ao abrigo de prescrições reguladoras em época que se fazia a diferença entre união estável e concubinato, e em acontecimento aonde a mulher antes tivera uma relação livre (entre 1985 até 1993) seguida de união estável posterior (1993 a 1996), o juízo coletivo entendeu em convalidar indenização por serviços prestados tanto para o concubinato como para a união estabilizada; e aludindo ao concubinato em sua ementa, proclamou que é cabível o pagamento de indenização por serviços prestados ao convivente que se dedicou exclusivamente aos afazeres domésticos, quando inexista acréscimo patrimonial (STJ, Resp. 323.909, j. 15.05.2007).
É o prestígio da concubina deixada ao desabrigo.
(*) E.mail: jgiorgis@terra.com.br
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